segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Cruzeiro pela Patagônia - De Ushuaia a Punta Arenas



Ao meio dia chegamos e formos recebidos no aeroporto pelo pessoal do transfer e logo fomos para o escritório da companhia fazer a tramitação do embarque, alfandega e escolha da mesa no salão de refeições. O embarque seria as 17h30, com partida do porto as 19h45. Neste intervalo almoçamos em um restaurante muito simpático e econômico na rua principal, chamado “La Cantina Fueguina do Freddy”. Recomendamos a todos, pois eles servem uma centolla maravilhosa, que é um caranguejo gigante típico da Patagônia. Ele não tem as pinças, é como se fosse uma aranha marinha gigante. 

De entrada comemos uma sopa de centolla e como prato principal uma centolla ao queijo provolone com arroz tinto no açafrão. Um manjar. Há vários pratos com este crustáceo. Nós que adoramos caranguejo, não podíamos deixar de saborear esta maravilhosa iguaria. 



Depois fomos caminhar pela rua principal da cidade e aproveitamos para comprar e saborear o chocolate em ramas. Uma maravilha que é vendida em várias lojas do centro a preços mais ou menos iguais de um lugar a outro. 

Aliás, todas as lojas têm os mesmos produtos, os mesmos preços, eleja uma e compre. Não deixe de comprar e saborear o chocolate em ramas, ao leite, amargo ou branco e as geleias de Calafate, que é uma frutinha típica da Patagônia e segundo reza a lenda, quem come Calafate, sempre retorna a Patagônia.

Chocolate em ramas


Para nossa alegria, uns dias antes havia nevado nos picos altos de Ushuaia e a cidade estava envolta por picos cobertos de neve. Uma visão maravilhosa. O dia não estava muito bom, sem sol e nublado, mas mesmo assim conseguimos tirar várias fotografias. A temperatura estava por volta de 8 graus centigrados, mas com a ventania a sensação é de 2 graus. 

 
Aeroporto de Ushuaia



A cidade é bem movimentada, simpática, agradável e amigável. Para uma cidade no “fin del mundo” ela sempre supera nossas expectativas (esta é a segunda vez que a gente vem aqui). Um comércio variado, com marcas famosas, lojas de vinho, cafeterias simpáticas, pubs e muitas lojas de artigos esportivos para esqui, caminhadas, escalada e outros esportes de aventura. 


As 17h embarcamos no porto, rumo a nosso barco. Fomos muito bem recebidos pela tripulação atenciosa e elegante. O barco é maravilhoso, tem 3 andares de cabines, todas com janelas para o exterior, banheiros privativos, com secador de cabelo, água quente, lençóis macios, decoração primorosa. O detalhe do secador de cabelos é importantíssimo, pois serve muito quando chegamos das atividades fora do barco, molhados  de chuva e mortos de frio. 
Nossa cabine, no 3 piso, foi a de número 320. Todos os andares muito bem decorados, com salões maravilhosos, telas de projeção, biblioteca e o melhor: sem acesso a internet e celulares. Seriam quatro dias dedicados a nós e a natureza maravilhosa da Patagônia. Iniciamos com as boas vindas do capitão e da tripulação. Com coquetel de boa vindas: petiscos e bebidas a vontade. Logo a seguir uma palestra de segurança a bordo e apresentação da programação. 

Interior de nossa cabine


Iniciamos a navegação, de forma tranquila, sem nenhum movimento de ondas, com paisagens magníficas passando por nossa janela. Às 20 horas foi servido o jantar. Magnífico. Entrada: Salada de Centolla Natural, servida com cuscuz marroquino. Posteriormente foi servida uma sopa de crustáceos com legumes.  O prato principal tinha duas opções: carne vermelha ou peixe. Optamos por um filet de salmão grelhado servido com vegetais cozidos ao molho de queijo. A sobremesa foi um crepe suzete com sorvete de calafate.


Tudo regado a um maravilhoso vinho chileno, tinto ou brando, sucos, coquetéis ou outra bebida. Encerrando com um café expresso ou chá de ervas.



O dia anoiteceu as 22h12. E não ficou uma noite fechada e escura como estamos acostumados aqui no Brasil. Há simplesmente uma diminuição da claridade. E as 04h12 o dia já está amanhecendo. No início ficamos um pouco perdidos com tanto dia e tão pouca noite, mas logo a gente se acostuma. 


No segundo dia bem cedo, por volta das 05h iniciaram-se os primeiros movimentos do barco. Movimentos longos, sem muita marola. As 6h já estávamos no 5º  andar prontos para nossa primeira aventura: descida na mítica Ilha Hornos, no cabo Hornos, com várias ilhas. Este local foi declarado pela UNESCO, em 2005, como “reserva mundial da biosfera”. Muitas histórias se contam deste local tão remoto do planeta. Muitos naufrágios aconteceram neste local e muitos homens perderam suas vidas ai. Algumas expedições levaram entre 90 e 120 dias para contornar este local, onde, com a ajuda da tecnologia em 2 ou 3 horas o percurso é feito. O local é bastante ermo e isolado, com dezenas de ilhas.


Nossa descida iniciou com as orientações de segurança, e um bando de turistas vestidos de coletes salva-vidas e enormes máquinas fotográficas se amontoavam para entrar nos barcos de borracha (14 por cada vez) e partir para a ilha onde tem um farol e onde habita uma família de um oficial chileno. Ali também tem um monumento muito interessante, inaugurado pela então presidente do Chile, Michelle Bachelet, como forma de assegurar a presença do Chile neste local. O local só é visitado pelos passageiros deste cruzeiro e por oficiais da marinha chilena. É o local habitado mais a sul do continente antes de chegar a Antártida. O acesso é por um píer improvisado e subida de uma escada com 160 degraus e passarelas bem conservadas que levam ao monumento e ao farol, onde tem também a casa do oficial e sua família e uma pequena tenda de souvenires com o carimbo do cabo de Hornos.  Preparem-se para muito vento e frio. O acesso ao local por meio de barcos de borracha é muito tranquilo e rápido, com total segurança e apoio da tripulação. Um passeio maravilhoso que nos renderam muitas fotos.









Retornamos ao barco para o café da manha e posteriormente tínhamos a opção de assistir a um filme sobre expedições na Patagônia e palestras sobre gelo e flores da Patagônia ou simplesmente dormir na cabine olhando pela janela os picos nevados. Havia também a opção de ficar no bar comendo e tomando uma grande variedade de bebidas, servidas por simpáticos garçons. Optamos por assistir a palestra sobre as flores e o gelo.
 

À tarde já estávamos a postos para novo desembarque na Bahia Wulaia, lugar com muitas lendas e histórias. Foi neste local que o capitão inglês Fitz Roy, juntamente com o naturalista Charles Darwin tiveram contato com os aborígenes yaghanes. Estes aborigenes viviam nus neste local tão inóspito e frio. Para se protegerem tinham uma estrutura óssea diferente e untavam seus corpos com gordura de baleia e outros animais. Em suas anotações, Darwin descreveu os Yámanas como "criaturas pequenas (...), rudes, figuras de pernas torcidas, com tronco quase reto e sem cintura". Constatando as diferenças físicas entre índios e europeus, mais tarde o naturalista concluiria que ambos pertencem à mesma espécie, mas que evoluíram de formas distintas. Os Yámanas viviam em acampamentos nas praias, utilizando canoas feitas de casca de árvore para navegar. Era na Baía Wulaia que eles se abrigavam para suportar o inverno rigoroso da região. Eram nômades e se alimentavam de lobos e leões-marinhos que caçavam, além de sardinhas, moluscos e guanacos.

Vista da Baia de Wulaia

Vista da Baia de Wulaia


Na parte baixa,onde a gente chega a ilha, há uma construção que abriga um pequeno museu com muitas informações entre as quais a seguinte: "como os ingleses queriam civilizar a população local, na segunda viagem do Beagle em 1831, o capitão Robert Fitzroy trouxe de volta um índio que eles tinham raptado na primeira expedição à Terra do Fogo. Seu nome era Orundellico, mas na Inglaterra ele acabou virando Jeremy Button. Todos os ingleses achavam que ele era um sujeito fácil de lidar, muito bonzinho. E foi esse Jeremy Button – ou melhor, esse Orundellico – que veio para ajudar os ingleses a civilizarem seus parentes, seus amigos, sua tribo. Só que não demorou muito para ele arrancar suas roupas e voltar a usar seus cabelos compridos. Em 1855 ele liderou uma revolta em massa, que estraçalhou praticamente todos os ingleses que estavam na missão. Aí os ingleses perceberam que Jeremy Button continua mais Orundellico que nunca".

Por volta de 1830, duas famílias vieram morar neste local e deram início a uma fazenda com bois, porcos e ovelhas. Porém, as condições climáticas do lugar fizeram com eles abandonassem o local e deixassem para trás os animais. Os porcos sobreviveram e se tornaram selvagens.

 





A caminhada leva à parte alta da montanha, e pelo caminho vamos conhecendo os representantes da flora, tão específica destas latitudes e altitudes. 

Evento digno de nota é a atividade dos castores que, com o uso apenas dos dentes cortam árvores de grande porte para construir suas casas e abrigos. O corte de árvores é também uma atividade para gastar os dentes. Os ninhos dos castores são bonitos de se ver, mas o estrago que estes roedores fazem tem se tornado um problema. O castor não é natural da região e constrói diques para se proteger dos predadores.Porém,não há predadores por lá e assim, a quantidade destes animais é muito grande e tem aumentado bastante. "É necessário uma ação do governo porque eles provocam uma verdadeira destruição", explica nosso guia.

Do alto da montanha é possível ter uma ampla vista da baía de Wulaia, cercada pelos picos nevados envoltos em neblina. Nosso barco é apenas um ponto na borda da baía.


A caminhada serve, além de ver e sentir o ambiente, para queimar a grande quantidade de comida que se ingere no barco. Uma viagem destas é um verdadeiro regime de engorda. Comida em abundancia e a todo o momento. A caminhada foi maravilhosa e nos renderam boas fotos e momentos inesquecíveis. 


A noite tivemos outro maravilhoso banquete gastronômico. E vale fazer um parêntese sobre o casal que compartilhou a nossa mesa. Ellinor e Anders, um jovem casal da Suécia. Fomos os primeiros a escolher a mesa e eles “nos escolheram”, pois acharam que um casal do Brasil poderia ser mais interessante que os demais passageiros (indianos, noruegueses, italianos, ingleses, mexicanos, argentinos, entre outros). Muito simpáticos, inteligentes, dispostos a entenderem e se fazerem entender. Uma maravilhosa companhia nas diversas refeições que partilhamos.


A paisagem da janela de nossa cabine era magnífica. A maioria das vezes, navegamos entre montanhas com picos nevados ou montanhas cobertas por vegetação frondosa. Não fechamos as cortinas em nenhum dia e ficávamos a vontade na cabine, pois o território é inabitado. 


No dia seguinte foi a vez de visitarmos uma geleira e, diferente do que pensávamos, não pudemos caminhar sobre ela (uma pena). Foi uma visão maravilhosa. Desembarcamos debaixo de uma chuva forte e fria e caminhamos pela praia por uns 400m até entrarmos por um vale e deparar com aquela estrutura de gelo gigante, avançando sobre o vale. Apesar do frio (6 graus), das roupas molhadas e da neblina bem baixa, a experiência foi maravilhosa. As imagens falam mais que as palavras. O retorno da geleira para a praia foi feito pelo bosque, com os pés enfiados na lama, com os cheiros e sons da mata, a umidade elevada. 





Nossa noite de despedida foi magnífica, com um jantar primoroso, despedida do capitão  e brinde com champanhe. 

Nosso ultimo dia seria puxado, pois já pela manha teríamos a descida a Ilha Magdalena, um santuário de pinguins, lobos marinhos e muitas aves, próximo a Punta Arenas, nosso destino final. Mas, o mar não queria conversa e as ondas muito altas, além de balançar muito o barco e deixar parte dos passageiros mareados (eu inclusive), não possibilitava a descida à ilha. Era muito arriscado e o comandante deu-nos a triste noticia que o passeio estava suspenso. Só ficamos olhando de longe e fotografando da parte externa do navio, debaixo de um frio torturante.



E assim, retornamos a Punta Arenas, onde desembarcamos tranquilamente, as 11h, com uma temperatura de 10 graus e um vento torturante. Como nosso voo para Santiago só sairia as 22h, deixamos nossas malas no escritório da companhia que nos trouxe no cruzeiro e fomos conhecer a agradável cidade de Punta Arenas, com sua história, beleza e atrativos. Em breve colocaremos um post sobre esta linda e fria cidade.